terça-feira, 29 de janeiro de 2013

CAPÍTULO 02


Daniela corria pela plantação de trigo ao lado da mulher morena... Cujos cabelos negros voavam ao vento e faziam um contraste luminoso com o amarelo da paisagem... Aproximou-se dela e virou-a... Antes de poder vislumbrar o rosto que a atormentava noite após noite... Acordou assustada. O celular anunciava a realidade em outra dimensão... Acordou... Mas manteve os olhos fechados, tentando se localizar...





 -Atende isso Dani... - Ouviu a voz rouca ao lado...

- Atende logo... - Outra voz... Do outro lado. As duas mulheres, uma de cada lado dela, se moveram na cama.

- Ahn? - Olhou para o lado esquerdo... Para o lado direito... Deu-se conta de onde estava e do que tinha feito a noite passada... Sorriu. Tentou sair da cama, primeiro pelo lado esquerdo... Mas a loura puxou-a e segurou-a num beijo quente...

- Angélica... Pára! Meu celular... - Murmurou no meio do beijo... Livrou-se e saiu pelos pés da cama.

Atendeu.

- Oi.

- Dani! Caralho! Tô te esperando há horas! - Imediatamente reconheceu o dono da voz ansiosa do outro lado.

- Paulo? Calma! Acordei agora, não grita... Merda!

- Tá onde? Em que puteiro se enfiou?

- Em casa.

- Mentira! Já liguei!

- Ok! Não tô... Mas também não interessa... Onde você está?

- No shopping te esperando, minha linda... Como combinamos... Lembra? - Falou com ironia.

- Em meia hora estarei aí. - Desligou e correu para o banho.

 

O shopping estava lotado, impacientemente Daniela aguardou que a fila do estacionamento andasse... Maldisse o momento em que concordou em vir ao shopping num domingo de manhã, somente uma pessoa no mundo poderia convencê-la disso e ele estava lá aguardando-a ansioso.

Assim que Paulo a viu na escada rolante acenou de forma espalhafatosa. Daniela sorriu e disse para mulher atrás de si:

- Meu namorado...

Recebeu um sorriso sem graça da mulher.

Paulo a recebeu com um beijo no rosto.

- Ai ! Que demora Dani!

- Nem vem. Já me fez sair da cama num domingo de manhã, ainda queria que eu madrugasse? Me poupe!

- Há! Fiz um favor pra você. Tirei-a da cama daquela piranha. Vem!

- Por favor Paulo! Não fala assim, Angélica é.... É...

- Piranha!

Sem responder, Daniela deixou-se puxar pelo braço. Paulo conduziu-a em direção a uma das praças do shopping e pararam diante de várias tendas armadas formando um circulo ao redor de um ambiente esotérico com sofás e almofadas.

- Aqui que eu fico. - Daniela falou se jogando em uma das almofadas... De frente para uma ruiva que não parava de encará-la.

- Já volto... - Paulo se afastou em direção a uma das tendas onde uma cigana entregava senhas. Retornou em seguida.

- Conseguiu?

- Sim! A minha é número oito e a sua é nove.

- Quem disse que eu quero?

- Quer sim!

- Não quero não. E não vou ouvir bobagens de cigana nenhuma.

- Daniela Ferreira! Vai sim! Quem sabe ela diz pra você onde esta a mulher da sua vida?

- Não estou procurando mulher nenhuma, Paulo! E quer falar baixo? - Daniela repreendeu-o. Ele respondeu com uma gargalhada.

- Pois não parece... - Respondeu fazendo sinal com o olhar para a ruiva.

- Quer parar?

- Ok! Parei. Quero saber se Pedro Henrique está me traindo... - Falou enquanto sentava-se ao lado de Daniela na almofada.

- Pois eu te dou esta resposta e não cobro nada!

- Quero saber quem é!

- Pra que? Termina logo, não gosta dele mesmo!

- Não sei... Mas quero saber. Quero saber do meu destino.

- Esta cigana vai é te vender um monte de badulaques e te falar muitas bobagens.

- Não acredita em destino?

- Não!



Depois de uma hora de espera o número de Paulo foi chamado.

- Me deseje sorte.

- Se já está escrito... Não vai precisar, mas mesmo assim... Boa sorte!



Daniela viu o amigo sumir no interior da tenda e ficou observando o movimento das pessoas que saiam e entravam nas diversas opções de tendas, videntes, tarólogas, quiromancias, mapas astrais e pais de santo... Ficou imaginando o que levava as pessoas perderem seu tempo em busca de respostas que não existiam... Nunca acreditou em destino, tampouco em previsões ou vidências... Sempre foi cética. Acreditava naquilo que suas escolhas lhe proporcionavam. Enquanto observava o movimento das pessoas, lembrava-se da noite maravilhosa que teve com as duas mulheres... “Tenho que repetir”... Pensou. A ruiva caminhou em direção a uma tenda onde lia-se “Tarô e búzios”. Daniela acompanhou com o olhar... A ruiva sorriu para ela antes de entrar na tenda... Daniela correspondeu... E suspirou.



Vinte minutos depois, Paulo saiu da tenda e caminhou em direção a Daniela. Falou colocando a mão na boca como se contasse um segredo... Sussurrando...

- Ela é ótima!

- Imagino.



- Número nove! - A cigana gritou.

- Vai! - Paulo incentivou.

- Não quero!

- Vai sim! - Puxou Daniela da almofada e empurrou-a em direção à tenda....



Quando a cigana puxou o pano levantando a lateral para que Daniela entrasse o cheiro de incenso invadiu-a... Aspirou e entrou... E uma sensação estranha tomou conta de Daniela.... Como se naquele momento o mundo exterior se tornasse algo sem conexão com o interior daquela tenda e Daniela, pela primeira vez, sentiu-se como se tivesse vivido até ali como coadjuvante em sua própria vida... Sempre viu sua existência  de fora para dentro e, pela primeira fez o caminho contrário...



Sorri, sem graça. Um arrepio percorreu-me das costas aos cabelos quando o olhar daquela cigana instalou-se no meu... Pensei em sair, mas não consegui me mover, tampouco desviar o olhar... Uma imensidão escura e profunda me dominava completamente...

- Sente-se... - Sua voz suave me indicou o próximo passo, atendi... Seu olhar não se desviava, nem o meu... - O que procuras?

- N... Nada.

- Então não posso ajudá-la. - Sua voz soou suave, novamente, carregada de um leve sotaque espanhol... Baixou o olhar para a mesa à sua frente.

- Meu amigo insistiu que eu entrasse e... E...

- Veio me testar? - Falou baixo. Levantou os olhos novamente... Não entendi.

- Co... Como?

- Não acredita em nada que não consegue ver ou explicar não é? E está colocando em dúvida tudo o que faço aqui. - A cigana falou sorrindo... Os olhos negros faziam par com os cabelos que caiam totalmente lisos em seu peito, escondendo o que meus olhos tentavam ver naquele decote profundo... Disfarcei...

- Percebo que me enganei, pois está lendo meu pensamento. - Retribuí o sorriso.

- Não... Não tenho esse poder. Seu amigo me disse.

- Ah! Claro! Meu amigo...



Ela levantou e me deu a visão mais linda que já vi na vida... A sensualidade dos movimentos combinando com um vestido vermelho que descia justo até a cintura e levemente mais largo até o chão..... Na cabeça um lenço, também vermelho, cobria-lhe parte dos cabelos, um pequeno nó separava-lhe as pontas que lhe caiam pelas costas acompanhando aquela cascata negra. Vários colares que terminavam naquele decote provocante... Dando a impressão que os seios queriam se ver livres daquela prisão... Tentei me controlar para que ela não percebesse o quanto sua imagem me deixava perturbada... Se aproximou pelo lado...



- Levante-se... Por favor! -A suavidade da voz fazia par com a leveza dos movimentos.

 Atendi imediatamente... Era um pouco mais baixa que eu. Ela pegou minha mão. Senti o calor das suas que contrastavam com o suor das minhas.

- Está nervosa? - Encarou-me novamente. Um olhar que me desnudava a alma... Colocou a mão no meu pulso, por alguns instantes e depois segurou minha mão fazendo com que a parte interna virasse para cima.

- N... Não! - Respondi

- Como é seu nome..? - Com a outra mão deslizou os dedos pela palma aberta... Achei que ia  perder os sentidos com aquele toque...

- Da...niela.

- Daniela... - Repetiu e baixou o olhos para minha mão... Passou, novamente os dedos no centro, não suportei e suspirei alto... Olhou para minha mão por alguns instantes...

- Já encontrou o que procuras... - Falou baixo para si mesma.

- O que... Que disse?

- Que sua busca chegou ao fim... E... -fez uma pausa e seu olhar parou dentro da minha mente... Continuou: - É correspondida...

- Do que está falando? Eu não estou procurando nada... Nem ninguém... - Falei sorrindo nervosa... Ela respondeu calmamente:

- Suas vidas se encontraram aqui... E... Já está acontecendo... - E passou novamente o dedo na palma da minha mão, parando em um determinado ponto... Senti um calafrio subir-me nas costas e parar no último fio de cabelo...

- Impossível, não sei do que está falando. - Puxei minha mão. Ela pegou-a novamente.

- Talvez... Ainda não saiba... Mas vai saber... Alguns eventos lhe mostrarão... Não será fácil, pois terá que enfrentar seus próprios medos e rever muitas convicções...

Continuou olhando para minha mão e tive a impressão que se assustou com o que via, pois largou-a e deu um passo para trás... Esperei. Ela levantou o olhar e senti como se uma noite escura me envolvesse, ouvi o som das estrelas faiscando no fundo daquele olhar... Minha racionalidade, que havia me abandonado desde que entrei naquela tenda, deu sinal de vida... Desviei de seu olhar.

- Desculpa... Mas... Mas...

- Eu sei. Não acredita. - Falou sorrindo... Lindamente.

- Tenho algumas convicções e... E... Acho que minha vida depende das escolhas que faço e não acredito que elas estejam pré determinadas... Desculpa...

Continuou sorrindo sem desviar seu olhar do meu. Me sentia presa naquela imensidão. Por um momento ficou em silêncio e sua expressão se tornou séria.

- Sim... As escolhas são suas... Mas todas levarão você ao encontro dela...

 Terminou de falar e respirou fundo como se precisasse de ar... De fôlego...

- Você falou... Falou “dela”?

- Sim.

- Realmente meu amigo fala demais.

Ela ficou em silêncio. Seus olhos não se desviavam dos meus.

- Não precisa acreditar em mim... Vá! Siga sua vida. As coisas acontecerão na hora que tiverem que acontecer. - Falou quase que com rispidez... Como se quisesse que eu saísse logo dali.

Tirei do bolso uma nota de cinquenta reais e estendi a ela:

- Quanto devo a você? - A pergunta saiu estranha.

- Nada!

- Mas... Mas... Você não vai cobrar?

- Não veio buscar nada... Não lhe dei nada!.. Adeus!

- Obrigada mesmo assim... - Me virei para sair da tenda, mas....

- Daniela...

- Sim? - Me virei para ela.

- Lembre-se que sempre que fizer uma escolha estará acionando novos acontecimentos a sua vida... E... Tome cuidado com elas, pois... - Silêncio... Não completou.

- Cuidado com o que? Não entendi...

Sorriu...

- Apenas tome cuidado.

Saí com a sensação de que a veria novamente. Algo estranho me perturbava. Paulo veio rapidamente em minha direção:

- Como foi?

- Não... Não sei... Ela falou coisas estranhas... E com você?

- Vou te contar... Durante o almoço, pois estou morrendo de fome. Vamos?



Contou-me tudo o que a cigana havia lhe dito. Não confirmou a traição de Pedro, mas disse-lhe que a vida lhe reservava muitas alegrias ao lado de alguém que ainda estava por vir. Contei algumas coisas que ela falou-me, mas sem detalhes.

- Ela falou de Angélica?

- Por que falaria?

- Ah, sei lá. A mulher não sai do seu pé... Ou melhor, da sua cama.

- Paulo, que implicância você tem com ela. Se não conhecesse você ia dizer que está com ciúmes... - Falei debochando.

- De Angélica? Nunca! Se fosse da Pamela ou da Kamila... Mas de Angélica? Jamais! Conta aí: que aconteceu ontem? Saiu do bar com ela e com aquela morena... Vai me dizer que...

- Não vou te dizer nada...

Ele deu uma gargalhada, mas controlou... Colocando a mão na boca.



Angélica era filha de um grande construtor da cidade e nos conhecemos na ocasião em que nosso escritório de engenharia foi contratado para fazer o projeto de um dos prédios da construtora. Angélica trabalhava como administradora da construtora do seu pai. Conhecemos-nos num dia e no outro transamos no banheiro da sala dela. Foi tesão a primeira vista. Era uma loura deslumbrante e nossa relação a partir de então passou a ser estritamente sexual. Ela sabia que eu saia com outras mulheres, assim como eu sabia que ela fazia o mesmo. E às vezes saiamos com outra... Juntas. Como na noite passada.



Ficamos no shopping o restante da tarde e depois de rirmos muito de tudo decidimos ir embora. Nos despedimos no estacionamento.



Aquela noite, não só as palavras da cigana ficaram martelando em minha mente, mas todo o conjunto da obra. Lembrei daquele olhar enigmático, dos movimentos que davam a impressão de que ela flutuava, do toque em minha mão... Nesse momento levei a mão até os lábios e meus olhos se fecharam na intenção de resgatar o cheiro, a maciez. Lembrei daquele decote... Imaginei os seios, fui descendo até a cintura e resolvi parar. Tomei duas taças de vinho e liguei para Daniel, meu irmão. Contei o dia que tive no shopping com Paulo, falei da cigana... Omiti minhas impressões libidinosas, ele riu muito do fato de eu ter aceitado entrar na tenda e ter me submetido à consulta... Nos despedimos com a promessa de que eu contaria tudo com detalhes no dia seguinte, no escritório. Depois liguei para minha mãe, e encerrei meu dia. Dormi pensando na cigana.  



Logo após a última consulta, saí do shopping esgotada. Lucas e minha tia me esperavam para jantar em casa. Contei a eles o dia e sobre alguns casos pitorescos que ocorreram, sem detalhar nada sobre a vida de ninguém.

- Você deve estar cansada, Inka. Vou embora e conversamos amanhã. Espero você no café.

- Sim. Vou até lá. Sei que de manhã você não pode sair. - Minha voz saiu cansada.

- De manhã não posso mesmo. Mas fico muito feliz com isso. O movimento no café aumentou consideravelmente depois que mudei para o térreo. E agradeço isso a Senhora. - Falou colocando a mão no braço de minha tia, que sorriu retribuindo o carinho.

- Lucas, não preciso ser vidente para saber que o seu faturamento aumentaria se mudasse para o térreo. - Ela respondeu com bom humor.

- Não chamo de vidência... Mas de assessoria. Foi fundamental a sua informação sobre os problemas com o antigo proprietário. - Falou e se arrependeu.

- Tia! Não acredito que fez isso! - Falei imediatamente, pois não concordava com a forma como ela utilizava sua intuição privilegiada.

- Ora, Inka, apenas disse a Lucas que o Arthur estava com problemas financeiros e que se ele fizesse a proposta na hora certa fecharia o negócio.

- Claro! Claro! - Lucas tentava amenizar o estrago que tinha feito.

- Conheço bem vocês dois... Mas hoje não estou em condições de argumentar sobre ética. Vou pra cama. Boa noite.

- Não vai contar sobre a discussão com o seu namorado? - Lucas perguntou de forma irônica.

- Não estou mais namorando Raul e você sabe disso. Amanhã eu conto.

Levantei e me despedi de Lucas com um beijo no rosto. Fui até minha tia e fiz o mesmo. Deixei os dois na sala e fui para meu quarto. Na cama, fiz um esforço para não trazer a mente aquela que a preencheu desde o momento que a vi, mas foi inútil. Lembrei de todos os movimentos que ela fez desde que entrou na tenda, apesar do constrangimento aparente, mas nada submissa, pelo contrário... Deixou claro sua personalidade forte, a atitude franca, o olhar inquisidor, porém sem a ironia comum às pessoas descrentes. Dormi travando uma batalha interna entre a vontade de lembrar e a obrigação, que me impus, de esquecer. 

A CIGANA

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A história não está completa, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação.

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